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segunda-feira, julho 12, 2010

CONTOS PARA VELHOS - Bob (pseudônimo de Olavo Bilac)

I

OS ÓCULOS

O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e formosa Clarice... Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual a origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha e se estiola.

A bela Clarice!... É casada há seis meses com o gordo João Paineiras, o conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam na Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca deixam o seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela mingua, e emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela, mais forte vai ficando ele, o João dos óculos, — um latagão que vende saúde aos quilos. 

Assusta-se a família da moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que não sabe... que não compreende... porque, enfim, — que diabo! — se a culpa fosse sua, ele também estaria na espinha...

E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios professores da Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o mistério. Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível. E na alcova, demorado e minucioso exame continua.

Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua do peito da enferma, auscultou  longamente os seus pulmões delicados: já, levemente apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso, ténue como um fio de seda... Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da bela Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta, o resto... De repente — que é aquilo que o velho e austero doutor percebe na pele, abaixo... abaixo... abaixo do ventre?... Leves escoriações, quase imperceptíveis arranhaduras avultam aqui e ali vagamente... nas coxas...

O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a calva, olha fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de pudor:
— Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato?
E a bela Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de musselina como n’uma nuvem, balbucia, corando:
— Não! Não é nada... não sei... isto é... talvez seja dos óculos do João...
Continua AQUI

Para a Urze dos Montes , com os meus  cumprimentos , em resultado do seu comentário no meu post : Livros para férias , sem gastar dinheiro ... , um cheirinho do livro "Contos para velhos ". Espero que gostes e que depois nos transmitas a tua opinião.

4 comentários:

mc disse...

Hoje é dia 12.E como não consegui aceder para escrever no blogue,vou deixar aqui ,em duas palavras, o que me levava a escrever.
Há nove anos, este dia foi muito importante para mim, no decurso de um problema de saúde que tinha de resolver. Mas não era por isso que ia escrever. Queria fazer uma breve evocação a quem de nós nos deixou no ano passado e que hoje faria anos. Em memória da Teresa Pires.

Anónimo disse...

No comentário que fiz ao título CONTOS PARA VELHOS, de Olavo Bilac apenas o achava estranho porque pensava e penso que não é dirigido aos bloguistas porque nós, escribas e visitantes -SOMOS NOVOS-, não acham?!
Já os li e tenho a dizer que os considero uma óptima crítica à sociedade que o autor pretendia "regenerar" na sua constante acção cívica e social, através do jornalismo e da obra literária.
Pelos vistos, os sacerdotes e as "beatas" da época precisavam de uns valentes puxões de orelhas!
Urze dos Montes

Unknown disse...

Também me lembrei dela e a razão de colocar o post ontem foi a data do seu aniversário .
Não queria colocá-la por motivos óbvios , mas esperava que alguém acusasse o toque .
Fiquei muito contente por isso e oxalá , esteja onde estiver , se encontre bem .

Anónimo disse...

Também me associo à homenagem à Teresinha, com quem tive o privilégio de conversar longa e gostosamente, poucos meses antes de partir.
Urze dos Montes