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terça-feira, dezembro 21, 2010

O famigerado decreto 27.003 e Cavaco Silva


O tremeliques palavroso

Ontem

Tive imensa sorte, na minha juventude, por nunca haver sido confrontado com a obrigação de assinar a declaração de «conformidade» do famigerado decreto 27003, exigido pela ditadura. Seria para mim angustioso sujeitar a honra a uma mentira, mas confesso que, se fosse obrigado, assinaria. Ninguém via heroísmo redentor nessa estóica recusa.
Por bênção dos deuses, o maldito decreto foi revogado por Marcello Caetano antes de a situação se me colocar. Dessa estou «imaculado», mas não atiro um grão de areia a quem firmou de cruz aquele papel: o cobarde não foi quem assinou, cobarde era quem obrigava a assinar.
Por isso, não liguei muito à notícia da declaração assinada de Cavaco Silva à PIDE. Só despertei da modorra, quando ouvi o candidato dizer que não se lembrava do episódio. Aí, pára: ou o cavalheiro mente desavergonhadamente, ou sofre de um Alzheimer muito adiantado a justificar um Conselho de Estado para o interditar.
Ninguém, mas ninguém mesmo, se esquece de quando foi obrigado a ir à PIDE: fica na memória para sempre. É que esta, para mais, foi uma declaração presencial, certificada na hora pelo chefe de brigada da Pide e por isso dispensada de reconhecimento notarial. Tem ele o despudor de dizer que não se lembra? Abram a ala VIP da psiquiatria, por favor!
A mentira (ou doença incurável do candidato) tornou-me mais atento. O que me chamou mais a atenção foi a anotação final, num espaço de preenchimento facultativo, a dizer que «não priva» com a segunda mulher do sogro, dando o nome completo da senhora.
Ah, isso é demais - e nada tem a ver com «tentativas de o ligar ao anterior regime», como Cavaco se lamuriou. Nada! A ligação é só à sua têmpera, à sua capacidade ou não de enfrentar situações difíceis. Toda a gente de bem que conheci, desafecta ou mesmo afecta ao salazarismo, respeitava este princípio: à polícia (e então à secreta!) só se diz o mínimo. Era questão de fidalguia, de sobranceria, de desprezo. Não era exigido a Cavaco que escrevesse o nome da segunda mulher do sogro e muito menos que declarasse que não privava com ela. Qualquer um com dois dedos de siso saberia que isso iria pôr a PIDE de sobreaviso contra a senhora - ou então queria mesmo denunciá-la.
Cavaco não seria tão reles: apenas estaria tão tremeliques que escreveu até o que não queria, coitado. E logo ele que diz que há palavras de mais na política. Lá sabe do que fala, quando falou, à PIDE, do que não devia ter falado.
A desgraça é que o tremeliques tem ainda menos cura que o Alzheimer.
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Estive para escrever um post sobre isso , mas não houve engenho e arte para tanto.. Aproveitei este texto  para aqui postar , com licença do autor , para subscrever tudo o que ali é dito .

1 comentário:

mc disse...

É um episódio estranho, o do acrescento. Mas ilustra uma forma de consciência daquele medo instalado nas mais pequenas coisas que ,por fugirem à banalidade normal, tentam escapar numa jogada de antecipação ,aos possíveis inconvenientes resultantes de uma eventual e temida investigação futura,que poria em perigo o objectivo almejado. Era assim a ditadura.