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terça-feira, setembro 23, 2008

Coisas da Vida

Nove da manhã, sala de espera da consulta de Ortopedia, quarenta mamíferos esperam a chamada para os RX ou para os gabinetes dos senhores doutores. Abundam os da minha idade, com maleitas evidentes ou mais discretas, que se entretêm a contar as doenças, os sintomas, as dores, o que tomam e o que deixaram de tomar. "Rai's parta a velharia!", rosno com os meus botões, tentando concentrar-me na leitura do jornal...
Dispersos pela sala, meia dúzia de chavalos que se escavacaram na mota. De pernas e pés engessados, sentam-se como se estivessem num divã, com as canadianas encostadas às cadeiras, em posição propícia à rasteira a cada estropiado que passa, e dedilham furiosamente os teclados dos telelés...tic-tic-tic...tiriri-tiriri...plim-plom...plim-plom...plim-plom...tic-tic...Definitivamente impossível ler duas palavras seguidas.
Subitamente invade-me uma sensação de "déjà vu": é o altifalante a chamar os pacientes (palavra acertada, na circunstância), tão roufenho e apagado que obriga a esticar pescoços e aguçar ouvidos, na vã tentativa de ouvir o inaudível. Sorrio: vi uma cena parecida, imaginada pelo Tati, n'As Férias do Sr. Hulot.
Quando me pareceu ter ouvido o meu nome, embora nada me garantisse que não tinha sido ilusão auditiva, entrei para um corredor e fiquei à porta do gabinete, à espera que o sr. dr. acabasse de atender um telefonema. Entrei com as radiografias na mão e estendi-lhas depois de um bom-dia reciprocamente frio e seco. Examinou-as sem me olhar durante alguns momentos, e ainda sem me olhar comenta que está tudo a correr bem, atendendo à dimensão da fractura. Arrisco falar no que me preocupa: a reabilitação do braço. Como é? Vou precisar de mais quanto tempo de fisioterapia para recuperar, mesmo que não seja a 100%? É aí que olha para mim com ar de enfado e algum desdém, e dispara :"A senhora já não precisa de fisioterapia!". Olho bem para ele, e quando percebo que não está a brincar, rio-me. Rio-me a sentir a articulação do ombro como se fosse um sistema de roldanas enferrujadas, a pensar no meu dedo mindinho que parece atacado de "delirium tremens" cada vez que tento aproximá-lo do polegar.
Levanto-me e saio da consulta ainda de cremalheira à mostra, perante o olhar francamente hostil do senhor doutor ortopedista que, perante um membro visivelmente diminuído, só se importa com o calo ósseo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Um MIMO...Espectacular!!Só é pena ser real...
Um abraço
GB

H.B. disse...

Querida Teresinha ,ao ler vi logo que eras tu , tens sempre entradas de leoa ... Adorei
Beijinhos

Anónimo disse...

Teresinha, não leves a mal se te disser que me deliciei com o teu texto. Fez-me lembrar a rubrica "Casos da Vida Real" das Selecções. Mas também te digo que lamento muito que te tenha calhado em rifa esse sr. doutor! O que tens mesmo de fazer é procurar quem te ponha a "cremalheira" em ordem. Felizmente ainda temos alguns bons ortopedistas.
As melhoras e um beijo

LP

Anónimo disse...

Já tenho dito por mais do que uma
vez.
Quando esta menina "abre o livro",
não é preciso dizer mais.
A estes artigos não gostamos de ver o fim próximo.Apetece ler mais.
Já lhe tinha pedido um artigo no
blog.Agora fez-nos a vontade.
Abraço
BV.