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sexta-feira, setembro 25, 2009

E agora Sr Presidente?

E AGORA, SR. PRESIDENTE? [Expresso de hoje]:
Miguel Sousa Tavares,

    Considerando que depois de amanhã temos eleições, convém ser o mais comedido possível na análise a esta inacreditável história das escutas, envolvendo Cavaco, Sócrates e o "Público". Usem-se, porém, todas as cautelas possíveis e não há volta a dar: aparentemente (mas aparências muito carregadas) o Presidente da República enfiou-se num pântano de onde dificilmente sairá intocado no prestígio que o cargo exige.

    A mim não me espanta muito a trapalhada em que Cavaco Silva se enredou. Já aqui escrevi, a propósito do seu sibilino comentário sobre o cancelamento do "Jornal de Sexta" na TVI, que me parecia evidente que ele deixava cair aqui e ali sinais de apoio à candidatura do seu partido e da sua amiga Ferreira Leite — ao mesmo tempo que multiplicava as declarações pró-forma de distanciamento e isenção na campanha que decorreu. Espera-se assim que Cavaco Silva, sem mais tardança a partir de domingo, venha esclarecer o país sobre o que fez, como fez e porque fez. E esclarecer não é uma simples e solene declaração com a bandeira nacional atrás, sem direito a perguntas nem contraditório. As coisas foram longe de mais e as suspeitas são graves de mais para que ele não se disponha, como qualquer político, a enfrentar os jornalistas.

    Espero que escolha uma atitude de Presidente dos Estados Unidos e que não queira antes adoptar uma postura majestática de Rainha de Inglaterra. Inocentemente ou não, entrou em jogo e agora não pode fingir que está acima disso.

    O país espera e exige que Cavaco Silva esclareça, nomeadamente:

    — Se tinha e tem, de facto, razões sérias para desconfiar ser alvo de uma operação de espionagem, via escutas ou outra, por parte do Governo;

    — Em que baseava tais suspeitas, e espera-se que não venha com a anedota de o PS acusar a sua Casa Civil de estar a colaborar no programa do PSD — assim, aliás, confirmando tais acusações — ou com o 'espião' ao serviço do Governo que se atreveu, durante uma visita presidencial à Madeira, a sentar-se à mesma mesa que os intangíveis membros do seu gabinete. Não, qualquer coisa mais séria do que isso.

    — Porque carga de água quereria o Governo saber tanto o que se passa em Belém — passa-se lá alguma coisa de muito interessante?

    — Se as suas suspeitas eram assim tão fortes: a) porque não falou abertamente disso com o PM; b) porque não chamou os chefes dos serviços secretos ou quem tem competência técnica para tal e lhes exigiu que apurassem o que se passava; c) no limite, e visto que indubitavelmente estaria em causa o regular funcionamento das instituições democráticas, porque não demitiu o Governo e explicou ao país o que se estava a passar e porque o fazia?

    — Porque preferiu seguir a via sinuosa da conspiração política, socorrendo-se para tal de um jornal e embrulhando as suas suspeitas na capa de uma 'investigação jornalística' a que Belém seria totalmente alheia?

    — Porque escolheu o jornal "Público" para tal?

    — Mandou, de facto, o seu homem de confiança dizer ao "Público" que vinha a mando do Presidente, ou foi ele que extravasou o seu mandato e abusou indevidamente do nome do Presidente?

    — Porque só o demitiu quando o seu nome se tomou público e as suas andanças se tornaram conhecidas? Desconhecia totalmente o assunto (e, se o desconhecia, porque não o desmentiu?). Ou conhecia bem o papel desempenhado por Fernando Lima mas resolveu encobri-lo enquanto fosse possível?

    — Não previu o impacto que a notícia do "Público" de 18 de Agosto, a cinco semanas das eleições, poderia ter para a imagem do Governo PS e como contributo para a campanha da "asfixia democrática" e do "ambiente de medo" de que fala Ferreira Leite?

    E, depois de responder a tudo isto, que são questões de facto, e se, em função dessas respostas, não ficar cristalinamente claro que o Presidente, contra todas as aparências, está absolutamente inocente desta escabrosa história e que teve todas as razões para desconfiar da espionagem de que seria alvo por parte do Governo, então Cavaco Silva deve passar a responder às questões políticas, que são de toda a importância. A saber:

    — Se foi, como tudo indica, parte nesta história, onde fica, em sua opinião, o dever de lealdade institucional entre o Governo e o Presidente e vice-versa?

    — Acha que o episódio não mancha o seu dever de absoluta isenção e neutralidade nas campanhas eleitorais que não lhe dizem respeito directamente?

    — E acha que ele contribuiu para a estabilidade e a credibilidade política de que fala constantemente?

    — Na hipótese de o PS e José Sócrates vencerem, com maioria absoluta ou simples, as eleições de depois de amanhã, como acha possível recuperar um mínimo de confiança e colaboração nas relações com esse governo? Ou essa não é a sua intenção e a sua agenda política?

    Estas são as explicações que deve Cavaco Silva. Depois há as explicações que deve o "Público". Porque, ao contrário do que se apressou a dizer Paulo Portas e a sugerir Manuela Ferreira Leite, não há apenas duas hipóteses de grande gravidade: a de o Governo escutar o Presidente e a de o Governo, via serviços de informações, interferir nas comunicações internas de um jornal. Há também outras duas hipóteses e que, não sei se eles terão reparado, neste momento são as mais prováveis: a hipótese de a Presidência ter montado uma operação destinada a atingir o partido do Governo a poucos dias das eleições, e a de ter encontrado um jornal de referência que se prestou a fazer o frete.

    Da parte do "Público", já ouvi várias explicações do seu director — algumas contraditórias, nenhuma convincente. Ou seja, todas iguais a ele próprio: vesgas e propositadamente confusas. José Manuel Fernandes (e eu sei do que falo) é uma pessoa que não olha a direito e não joga a direito. Por isso, ele começou por dizer que o e-mail revelado pelo "DN" e que põe a nu toda a trama era "parcialmente falso", truncado "pelos Serviços Secretos". Mas não esclareceu que parte era parcialmente falsa e qual era parcialmente verdadeira — e que diferença poderia isso fazer numa mensagem que, de princípio ao fim, tratava só do mesmo assunto. Depois, num editorial que pretendeu clarificador, veio explicar que há 17 meses não tinha publicado a mesma notícia porque ela provinha de uma só fonte anónima e não tinha sido confirmada pelo jornal.

    Mas, passados 17 meses e a cinco semanas das eleições, publica a mesma notícia, com base unicamente na mesma fonte, sempre anónima e apenas identificada como alguém da casa Civil do PR — sem a ter investigado, contraditado ou confirmado. Será que publicaria uma notícia semelhante baseada numa 'fonte do Governo' que lhe viesse contar que o PR instalara escutas em S. Bento? Com falsa ingenuidade, pretende sustentar a tese de que agora a notícia já não tinha de ser a existência de escutas montadas pelo Governo em Belém, mas apenas a existência de suspeitas de tal entre o staff da Presidência. Isso dispensaria o "Público" de ter de investigar e confirmar tais suspeitas e até de conceder o direito de defesa aos acusados de tão grave abuso. A notícia seria, pois, a acusação e não a sua veracidade. Bem pode o Conselho de Redacção do "Público" cobrir o seu director, por dever de ofício, mas se este é o jornalismo que agora se defende ali na casa, o eng.º Belmiro de Azevedo escusa de chorar mais com os prejuízos do jornal ou de convidar o Governo a comprá-lo para lá mandar livremente, porque eu não auguro longa vida a esse jornalismo de referência'.

    Sigamos, sorrindo, as cenas dos próximos capítulos.

    in Câmara Corporativa

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