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terça-feira, fevereiro 20, 2007

Mulher de Negro Vestida

Cheguei à estação com antecedência, pois nunca esqueci os conselhos de minha mãe (...). Comprei o bilhete, pedi licença a uma mulher vestida de negro que estava sentada (...) e que amavelmente se afastou um pouco. Eu estava de partida para Lisboa, donde sairia no dia seguinte para uma viagem de cinco dias a Roma (...) por mim tão desejada. (...)
Comecei a olhar para a minha companheira de banco. Como é hábito meu, interesso-me por tudo o que se passa à minha volta. Passados minutos a conversa surge espontânea, e daí às confidências é um passo. A minha companheira começava a comer um papo-seco com queijo branco: pão já ressequido, queijo com aspecto de caseiro...Já não vai sendo comum ver puxar de merendas em lugares públicos, o que se vê são sanduíches standardizadas dos bares de estação.
Seria sinal de dificuldades, interrogava-me e dispunha-me a tentar adivinhar o que se passaria com aquela mulher de ar tão sofrido.
De repente, os altifalantes da estação anunciaram a chegada de um comboio. Vendo-a na dúvida, e depois de ver o seu bilhete, tranquilizei-a, aquele ainda não era o que ia apanhar. Agradeceu e começou a falar:ia para o Entroncamento, tinha ido levar um filho ao Porto, e tinha parado em Coimbra para visitar outro filho que estava internado por causa de um acidente no trabalho. Olhei-a condoída para ela. Teria cerca de 60 anos. Perguntei-lhe se o filho era tão novo que necessitasse da companhia da mãe, respondeu-me que tinha 28 anos, mas que estava muito doente. Era muito trabalhador, há uns anos, mas depois as más companhias....Fez um breve silêncio, o meu coração deu um baque. Muito baixinho, como que pedindo desculpa, mas no intuito de ver se podia ajudar, balbuciei "não me diga que o seu filho...". Calei-me, sem coragem para proguessir. Porquê fazê-la contar uma coisa tão íntima e que tanto a fazia sofrer? Pois não estava estampado no seu rosto?!... Olhou para mim com os olhos rasos de água, necessitada de contar a sua infelicidade a alguém: "Há tempos, a minha filha parou junto de um jovem que pedia para a REMAR, uma associação que dá ajuda a toxicodependentes. Deu o seu contributo, e vendo o seu ar, o jovem que lho agradeceu perguntou-lhe se tinha alguém que precisasse de apoio. Ela falou do irmão, ficou com o contacto...e assim foi o filho de sua mãe tentar uma vez mais livrar-se do vício."
Que dizer àquela mãe vestida de negro, por fora e por dentro, senão apertar-lhe fortemente as mãos nas minhas, falar-lhe em melhores dias e em não perder a esperança?!
O altifalante anunciava a chegada do meu comboio e a minha alegria da viagem a Roma, por momentos, esmoreceu. Ela levantou-se e ajudou-me a transportar a bagagem. Procurei uma janela. A minha mão direita levantou-se várias vezes para lhe dizer um adeus solidário e confiante, ela sorriu levemente. Talvez as minhas poucas palavras de conforto e esperança a tenham feito esquecer, por momentos, o seu sofrimento, e nascer alguma fé em dias melhores...

Texto escrito pela Levinda em 22/08/93

1 comentário:

Anónimo disse...

O texto está bom,mas aquela maldita
"praga" que tão bem entrou no nosso País..
É melhor ficar por aqui.
Bartolomeu