Orhan Pamuk,Prémio Nobel da Literatura em 2006, nasceu em Istambul em 1952, é adepto do Fenerbahçe e deu uma entrevista à revista alemã “DerSpiegel”, publicada em 2 do corrente e à qual pertencem os excertos que a seguir vão traduzidos.
Pro gaudium vostrum. Homenagem à Zélia, na Turquia!
“Sp: Sr Pamuk,vai ver os jogos do Euro 2008?
O.P.:Naturalmente. E não tolero bem que a equipa turca perca.É muito desanimador.Quando o Fenerbahçe jogou nos quartos de final da Champions League contra o FC Chelsea... foi triste observar como os nossos jogadores recebiam a bola inferiorizados como se fossem crianças.
Sp: O senhor é fã?
O.P.:Em criança fui.Em nossa casa acontecia o que hoje se descreveria como fanatismo. Um tio meu era adepto do Galatasaray, outro era fã do Besiktas, enquanto o meu pai e o nosso ramo da família era pelo Fenerbahçe.
Sp:Também ia ao estádio com o seu pai?
O.P.: Muitas vezes até, mas os grandes momentos de que me lembro não são os golos; tenho obretudo na mamória o quadro em que os jogadores do Fenerbahçe irrompiam no estádio antes do apito inicial.Por causa dos equipamentos amarelos eram chamados os canários.Era como se esvoaçassem para dentro do campo saídos de um buraco.Eu adorava isso, era poesia.
Sp:Mas porquê o Fenerbahçe?
O.P.É como na religião.Não há nenhum porquê. Ainda hoje sei recitar como um poema a formação completa da equipa do Fenerbahçe de 1959. Tem a ver naturalmente com a identificação com o pai. Sentávamo-nos sempre na tribuna principal, próximo dos notáveis, que pareciam capitalistas saídos de um texto de Bertolt Brecht.(...)
Sp:Tinha talento para jogar futebol?
O.P.:Não quero ser modesto: tinha talento mas não fui nunca uma pessoa especialmente musculosa.Para mim, mais importante do que o jogo em si mesmo, era fantasiar sobre ele. Nos meus sonhos acordado havia sempre a situação em que o Fenerbahçe tem um jogo na Taça da Europa e eu, a criança, no 89º minuto marco o golo decisivo.
Sp: O cientista alemão Klaus Theweleit diz num livro que escreveu que o futebol lhe abriu “a porta para o mundo”.
O.P.: Percebo, mas o futebol abriu –me sobretudo para a comunidade.Primeiro para com o meu irmão, que é 18 meses mais velho que eu. No tapete representávamos com berlindes campeonatos turcos completos ou taças da Europa.Um de nós descrevia como repórter da rádio a um público imaginário o que se passava no tapete.Cada berlinde tinha o nome de um jogador famoso e quando o meu irmão,durante a reportagem, trocava um nome, eu fazia-lhe sinal – gesticulando em silêncio, porque não queria perturbar os milhões de ouvintes dos rádios.
Sp:O que era tão importante na rádio?
O.P.:Era o meio que nos transmitia o jogo.Os repórteres radiofónicos ensinaram-me a ouvir algo e sobre isso imaginar qualquer coisa. (...)Em grego há para o expressar o conceito “Ekphrasis” ,ou seja,expressar por palavras algo que é pictórico.As reportagens de futebol na rádio funcionam exactamente assim –mesmo sendo óbvio que o repórter vai coxeando sempre atrás do acontecimento,pelo que tem que resumir o que diz.O futebol é mais rápido que as palavras.
Sp:Alguma vez pensou escrever literariamente sobre o futebol?
O.P.:O estádio é naturalmente um palco em que se desenrola um drama,bem no sentido clássico.(...)Mas o futebol é uma questão visual e a literatura é verbal.(...) Mas no meu romance “O Livro Negro” de 1990, o futebol devia ter tido um papel importante. (...) Nos anos 80 as derrotas com a Inglaterra por 0-8..e a troça dos jogadores ingleses aos nossos,.eram para mim uma metáfora da situação do país e do sentimento de humilhação.(...) Mais tarde retirei essas partes, porque o livro estava a ficar demasiado grosso.Hoje lamento tê-lo feito.
SP: O que é que o futebol turcodiz hoje sobre a situação do país?
O.P.:O ditador português Salazar governou no seu tempo o país com a ajuda do futebol .Para ele ,o jogo era o ópio do povo , para o manter calmo. Eu alegrar-me-ia se isso fosse assim entre nós. Mas aqui o futebol não é nenhum ópio, antes uma máquina para a produção do nacionalismo, de ódio ao estrangeiro e do pensamento autoritário. Eu acredito também que não são as vitórias mas as derrotas que estimulam o nacionalismo.(...)
Sp:A equipa turca no campeonato mundial de há 6 anos ficou em terceiro lugar.
O.P.: É verdade, mas depois de perdida a qualificação para o Mundial 2006 na Alemanha, os jogadores turcos atacaram os jogadores suíços. Isso não foi ético e é inaceitável. O fracasso foi atribuído aos árbitros e a outras conspirações semelhantes.Terrível. O futebol turco hoje em dia está ao serviço do nacionalismo, mas não da nação.(...)
Sp:O que se pode aprender com o futebol?
O.P.:Bastante, por exemplo, que há outros países e pessoas com outras cores da pele que são iguais a nós e que temos que respeitar. Pode-se aprender com o futebol que uma equipa pode ser mais fraca pelos jogadores que tem mas que, apesar disso, pode ter êxito, quando se usa a inteligência. Ou que numa situação de derrota deprimente não se deve tacar ninguém fisicamente. E ainda outra coisa: Quando o presidente francês Sarkozy diz que a Turquia não é Europa., poderíamos dizer : o Fenerbahçe há 50 anos que como equipa nternacional é parte da Europa,(...)
Sp:Albert Camus disse do seu tempo como guarda-redes. “Tudo o que sei de mais seguro sobre a moral e as obrigações humanas, devo ao desporto.”
O.P.: Por favor. Isso pode ter sido verdade nos anos 30 na Argélia, mas hoje é ingénuo. A moral é mesmo a última coisa que se poderá aprender com o futebol de hoje.”
By Manel Carvalho
4 comentários:
Entrevista interessante!
Duas perguntas surgiram na minha cabeça de difícil resposta:
-Como é possível que um povo como o nosso,que desprestigia tudo o que é português...quando toca a "bola" "endouda"de tão patriota???
-Como é possível os homens serem eternamente fiéis,mesmo em pensamentos,ao seu clube futebolístico???
Apesar de ser totalmente indiferente ao futebol, gostei bastante desta entrevista, bem como das questões levantadas pela GB. Quem tem uma resposta?
LP
Ora bem.
Mas omo se lê na entrevista, estas coisas não têm porquê.
Não é só em Portugal que a "bola endouda"!(expressão gira!)O caso de limpeza anímica pelo futebol ocorreu há 2 anos na Alemanha/Mundial 2006, em que foram quebrados tabus pós-2ªGuerra e toda a gente arejou a bandeira.
E não são só os homens que sofrem de fidelidade clubística nem de militância! Lembremo-nos de Cinha Jardim e de Mª José Valério,p.ex.
eh!,eh! MC "esgueiraste-te" bem!
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