1. Num dos debates televisivos da pré-campanha, Cavaco Silva, com a modéstia que habitualmente lhe é reconhecida quando se avalia a si mesmo, garantiu aos portugueses que "para serem mais honestos do que eu, têm que nascer duas vezes". A frase é sintomaticamente interessante - revela-nos o quanto Cavaco Silva se deleita com as qualidades que imagina exclusivamente suas, e, especialmente, levanta o véu a um dos maiores equívocos da portugalidade: o conceito de honestidade.
A ideia de verdade e de honestidade separa diametralmente as culturas do Norte e do Sul na Europa e nas Américas. Os significados variam consoante os pontos cardeais, acabando a geografia por reflectir concepções completamente distintas. A ética prevalecente nos países de tradição cultural católica fez medrar a noção de mentira piedosa exaltando o carácter instrumental e compromissório da verdade quando em risco de aparente colisão com um fim que se julga principal - donde, faltar à verdade, consoante as circunstâncias, pode ser permitido, aconselhável e, demasiadas vezes, louvável.
De forma transversal na sociedade portuguesa, a verdade, qualquer uma, converteu-se numa impressão plástica, moldável, quase sempre condescendente. Talvez exista, mas não conheço, qualquer outro lugar onde subsista um antigo ditado popular que sentencie o infeliz que ensaie cingir-se à exactidão dos factos deste modo tão emblemático: "Dizer a verdade como os malucos". Em Portugal, falar verdade sem rebuço constitui um acto de irrecuperável falta de etiqueta apenas tolerada aos incapacitados ou às crianças (muito) pequenas.
2. A paredes-meias com a verdade está a honestidade. Cavaco jura, em voz muito alta, que é honesto, mais do que qualquer outro. Acontece que a honestidade dos homens públicos é muito ardilosa, entre nós.
Para um político, o seu paradigma sempre clamado ainda é Salazar. O ditador viveu sobriamente, embora dominasse o País com mão de ferro. Nem os seus inimigos mais jurados alguma vez sugeriram que Salazar tivesse adquirido bens de modo ilícito. No entanto, permitiu que um banqueiro mobilasse para sempre o palácio onde a rainha da Inglaterra iria pernoitar. E, à sua volta, admitiu um rodopio de tráfico de influências, favorecimentos e o condicionamento industrial que enriqueceu alguns, os seus amigos, em detrimento do País. Salazar, ele mesmo, não o fazia mas era culpado: fingia não saber aquilo que os outros compunham em seu nome.
Cavaco, provavelmente sem o suspeitar, trata a honestidade como o tirano beirão: ele próprio não lucrou com a vigarice do BPN nem com os inúmeros desmandos que tantos dos seus protegidos têm perpetrado - mas é impossível que não percebesse o que acon- tecia em seu redor e nem sequer deduzisse o calibre da corja que transportou consigo para os lugares mais decisivos do poder. Só que nunca se incomodou: centrado em si, julga que nada daquilo que excede a sua conduta pessoal lhe pode ser assacado, mesmo politicamente. Assim, fecha os olhos ao resto. Nisso, afinal, é excessivamente igual a todos nós...
No DN de hoje por Carlos Amorim
Sem comentários ...
A ideia de verdade e de honestidade separa diametralmente as culturas do Norte e do Sul na Europa e nas Américas. Os significados variam consoante os pontos cardeais, acabando a geografia por reflectir concepções completamente distintas. A ética prevalecente nos países de tradição cultural católica fez medrar a noção de mentira piedosa exaltando o carácter instrumental e compromissório da verdade quando em risco de aparente colisão com um fim que se julga principal - donde, faltar à verdade, consoante as circunstâncias, pode ser permitido, aconselhável e, demasiadas vezes, louvável.
De forma transversal na sociedade portuguesa, a verdade, qualquer uma, converteu-se numa impressão plástica, moldável, quase sempre condescendente. Talvez exista, mas não conheço, qualquer outro lugar onde subsista um antigo ditado popular que sentencie o infeliz que ensaie cingir-se à exactidão dos factos deste modo tão emblemático: "Dizer a verdade como os malucos". Em Portugal, falar verdade sem rebuço constitui um acto de irrecuperável falta de etiqueta apenas tolerada aos incapacitados ou às crianças (muito) pequenas.
2. A paredes-meias com a verdade está a honestidade. Cavaco jura, em voz muito alta, que é honesto, mais do que qualquer outro. Acontece que a honestidade dos homens públicos é muito ardilosa, entre nós.
Para um político, o seu paradigma sempre clamado ainda é Salazar. O ditador viveu sobriamente, embora dominasse o País com mão de ferro. Nem os seus inimigos mais jurados alguma vez sugeriram que Salazar tivesse adquirido bens de modo ilícito. No entanto, permitiu que um banqueiro mobilasse para sempre o palácio onde a rainha da Inglaterra iria pernoitar. E, à sua volta, admitiu um rodopio de tráfico de influências, favorecimentos e o condicionamento industrial que enriqueceu alguns, os seus amigos, em detrimento do País. Salazar, ele mesmo, não o fazia mas era culpado: fingia não saber aquilo que os outros compunham em seu nome.
Cavaco, provavelmente sem o suspeitar, trata a honestidade como o tirano beirão: ele próprio não lucrou com a vigarice do BPN nem com os inúmeros desmandos que tantos dos seus protegidos têm perpetrado - mas é impossível que não percebesse o que acon- tecia em seu redor e nem sequer deduzisse o calibre da corja que transportou consigo para os lugares mais decisivos do poder. Só que nunca se incomodou: centrado em si, julga que nada daquilo que excede a sua conduta pessoal lhe pode ser assacado, mesmo politicamente. Assim, fecha os olhos ao resto. Nisso, afinal, é excessivamente igual a todos nós...
No DN de hoje por Carlos Amorim
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2 comentários:
Podia não ter lucrado com a vigarice mas lucrou com as acções que lá tinha e que vendeu atempadamente "por obra e graça" da sua enorme capacidade para adivinhar o descalabro!
E depois manda o povo ir ao site onde explica tudo!
E Manuel Alegre não foi capaz de lhe responder à letra na altura e em directo
Haja paciência para esta "honestidade" bacoca!
Num país democrático cada um é livre de comprar e vender o que quer! Inveja tenho eu de não ter a sabedoria/clarividência de saber quando comprar os ditos"papeis" e a altura certa de os vender! Ou será que quem compra é tão idiota assim que não tem em vista ganhar? Só se joga na bolsa por ser moda!!! O que eu acho é que todos os que falam só podem sofrer daquele mal tão lusitano "DOR DE COTOVELO" e estão ruidos de inveja por não saberem, não poderem ter feito o mesmo!!!
Madalena Cabral
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