A interactividade da Colheita63 em movimento contínuo para todo o Mundo e especialmente para Lisboa , Tomar , Monte Estoril , Linda-a-Velha , Setúbal , Coimbra , Porto , VNGaia , Braga , VNFamalicão , Santo Tirso , Afife , Vila Real , Vinhais , Bragança , Castelo Branco , Seia , Vendas Novas , Varsenare e Aveiro

quarta-feira, janeiro 31, 2007

PERPLEXIDADES

À medida que o tempo passa, cada vez tenho menos certezas. Colheiteiros, gente da minha idade, dizei-me que não sou só eu! Dizei-me que a realidade não é "preto ou branco", como nos parecia aos 17 anos. Dizei-me que devemos continuar a usar o bom velho princípio cartesiano (o "erro" de Descartes foi outro...) de alguma(s) vez(es) na vida pôr em dúvida aquilo que tinhamos por certo. Dizei-me que devemos continuar a pôr-nos no lugar do "outro", daquele que não pensa nem age como nós, para entender as suas razões e motivações, para não o julgar nem acusar em questões que apenas dizem respeito à sua consciência individual.
Vem isto a propósito do que tenho lido aqui no blogue sobre o que está ou não está em causa no referendo do dia 11/2...É que algumas afirmações, de tão peremptórias e absolutas, deixam-me perplexa! Por exemplo, falar de "vida humana" como valor absoluto, sem atender a modos e circunstâncias, é falar de quê? Do direito a nascer não desejado, correndo o risco de ser objecto de um processo de adopção kafkiano? De ser entregue, mais tarde ou mais cedo, a uma casa pia qualquer? De ser abandonado ou maltratado? Não sofrerão essas "vidas humanas" de um handicap fundamental face aos outros cidadãos, que nasceram desejados e têm muito mais probabilidades de ser amados e felizes?
Se se entende que a Constituição inscreve a vida humana como valor absoluto, porque não se contesta então a legislação de 1984, que permite o aborto em casos de violação, malformação do feto ou perigo para a vida da mãe? Não são também vidas humanas que estão em causa? Porque não se exige então a proibição absoluta?
Não era S. Tomás de Aquino (sim, esse mesmo, filósofo e doutor da Igreja...) que dizia que havia vida humana quando existia "alma racional", isto é, em termos científicos actuais, quando o feto tem já um sistema nervoso central capaz de funcionar autonomamente?
E a compaixão pelas mulheres que se vêem em situações difíceis? O Deus dos cristãos não é um Deus de misericórdia? Porque se aponta então o dedo acusador para uma única saída à mulher que abortou: a cadeia?
Depois há a história da "responsabilidade"...Amigos, aquele de nós que em todos os seus actos agiu com responsabilidade que atire a primeira pedra! Penalizam-se, por acaso, os alcoólicos, os fumadores, os comilões, por atentarem contra uma vida humana (a sua)? E deixam de ser tratados nos serviços públicos de Saúde porque isso fica muito caro, e o dinheiro dos nossos impostos podia ser mais bem empregue?
Há mulheres que engravidam por irresponsabilidade? Claro que há! E então, que saída lhes queremos dar? Obrigá-las a ter crianças não desejadas ou, em alternativa, mandá-las para a cadeia?
E porque é que só se fala em irresponsabilidade? As responsáveis, às vezes, também engravidam sem querer: há um
preservativo que se rompe, uma pílula que não faz efeito por se estar a tomar antibiótico...Que me dizem? Cadeia com elas?! Finalmente a famigerada pergunta do referendo...Caríssimos, já somos crescidinhos!!! Por muito desastrada que seja a pergunta, todos nós sabemos o que está em causa: aborto clandestino e pena de prisão ou possibilidade de escolher até às 10 semanas, em consciência e em condições dignas, como se faz no mundo a que chamamos civilizado. Não ir votar por causa da pergunta é embarcar numa falácia; abster-se é tomar posição a favor de um dos lados, o lado do não, porque se dá o sinal de que se quer que tudo continue na mesma...
Só mais uma coisinha: as estatísticas dos países em que o aborto foi despenalizado dizem que, aí, tem diminuído sistematicamente o número de abortos clandestinos. Exactamente o contrário do que li algures neste blogue.

8 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Teresa,muito gosto em voltar a
ler-te. Apesar de já ser tarde ,quero
aplaudir a tua capacidade de expores com tanta veemência a tua perplexidade e em assunto tão importante. É bom sinal.
Eu estou de acordo com as vírgulas e
os pontos de interrogação do teu texto e se tens acesso a outros blogues manda-lho.
Tem calma .Aparece mais vezes.

Unknown disse...

Não necessito de muitas palavras
para te apoiar !
Parabéns , Teresa .
Um abraço da Blá

Alberto David disse...

Parabéns Teresa, com autorização do Helder o seu escrito já faz parte dos meus blogs. Força, a verdade leva o seu tempo, mas é como o azeite, vêm, ao de cima.obrigado

Teresa disse...

Manel, estou calma. Apenas quis dizer aos meus amigos colheiteiros o que penso e sinto, com franqueza e abertura. Espero que a minha "veemência", como tu dizes, não tenha ofendido ninguém: não era esse, de todo, o meu propósito. Se der confronto, que seja de ideias. Um grande abraço para ti.

Um abraço especial para ti tambem, Blá. Quando nos dás a alegria da tua presença em pessoa? Espero que seja breve.

Alberto, não tenho o prazer de o conhecer, mas agradeço a atenção que prestou ao meu "desabafo". Não sou prosélita de crença nenhuma, nem obcecada por "valores absolutos". Acho até que estes foram (são) sempre justificação (ou pretexto?) de ditadores para arrastar consigo crédulos e acríticos. Mas acredito que mais cedo ou mais tarde os valores da solidariedade, da equidade, da compaixão com o sofrimento dos outros, mitigarão a onda de intolerância que hoje nos parece avassaladora.
Obrigada mais uma vez.
Teresa

Unknown disse...

Um dia... quem sabe !!!
Aprecio a abertura com que escreves ...
Aprecio a abertura de pensamento...
Tudo ... muita sorte .
Abraço da Blá

Geadas disse...

Escrever e expressar tão bem o que te vai na alma em relação a este assunto, de que eu jurei a mim mesmo não abrir mais o pio, digo, do meu coração, é impossível.
Parabéns.

Anónimo disse...

Li já há alguns dias o teu artigo e
tem graça que já andava com vontade
de te contactar para pedir que escrevas um tema á tua
escolha como tu sabes.
Vou fazer uma pergunta,mas não respondas pois dás-me uma "tareia"
que até ando de lado.
Se não tivessemos Teresa quem escrevia estes artigos de que tanto
gosto?
Um abraço do Bartolomeu
e escreve sempre.

Teresa disse...

Bartolomeu, tenho muito gosto em te respoder, e não te vou dar tareia nenhuma.
1. Ninguém é "insusbstituível";
2. Se a Teresa não existisse...não existia, e ninguém lhe sentia a falta! O que os olhos não vêem, o coração não sente;
3. Há tanta coisa boa para ler, dentro e fora do Colheita 63, que não é escrita por mim...
Manda sempre.
Um abraço da Teresa