"O mercado tem as costas largas
Há pouco tempo, a Sonae escolheu o sucessor de Belmiro de Azevedo. Dizia-se que havia vários candidatos com hipóteses, mas, no final, a Presidência do grupo foi previsivelmente atribuida a Paulo de Azevedo.
É provável que ele fosse o melhor homem para o lugar, no mesmíssmo sentido em que é provável que - digo isto sem qualquer ironia - a escolha de Armando Vara para o BCP não tenha tido nada a ver com a sua relação de amizade com José Sócrates.
Perdoar-se-nos-á porém a nós, simples mortais, que fiquemos com algumas dúvidas. É que a experiência mostra-nos que, ao menos em Portugal, grandes empresas cotadas na Bolsa que supostamente deveriam dispor de uma gestão profissionalizada em extremo continuam na prática a ser governadas como coutadas familiares.
A descendência de Picasso não singrou na pintura, nem a de Einstein na ciência. Assim de repente, nas artes, a única dinastia de sucesso que me ocorre é a da família Bach. Na gestão empresarial, porém, parece haver um gene que se propaga de pais para filhos.
Belmiro de Azevedo irritou-se com a hipótese de a União Europeia poder vir a interferir na fixação dos salários dos administradores das empresas, declarando que "os políticos não mandam nos empresários". É certo que os políticos não devem dar ordens aos empresários; mas fazem as leis que a todos obrigam, empresários incluídos.
Logo, a questão, é esta: deve o poder político imiscuir-se neste tema das remunerações? Belmiro, Mexia, Ulrich e outros declararam a sua oposição, argumentando que os salários dos gestores são fixados pelo mercado. Não é exacto, a menos que aceitemos que o mercado são eles.
Ora eles não são os donos das empresas. As empresas são dos accionistas, e eles dispõem usualmente de participações minoritárias em empresas de que pretendem dispor como coisas suas.
A agitação por que passou o BCP revelou até que ponto são quotidianamente espezinhados os direitos dos accionistas em proveito de pequenos grupos de familiares e amigos que na prática detêm todo o poder. Ora é aqui - e não na eventual fixação de salários máximos - que os governos europeus deveriam intervir, defendendos os direitos dos accionistas contra os abusos de minorias entrincheiradas nos postos de comando.
Talvez seja oportuno recordar que Adam Smith levava a sua embirração pelas sociedades anónimas ao ponto de defender a sua interdição, precisamente porque no modo como eram governadas ele não vislumbrava a mão invisível do mercado mas a manipulação de muitos por muito poucos."
Escreveu João Pinto e Castro em Blogexisto
Aos Belmiros deste mundo só lhes falta dizer "Le marché c'est moi!"
Há pouco tempo, a Sonae escolheu o sucessor de Belmiro de Azevedo. Dizia-se que havia vários candidatos com hipóteses, mas, no final, a Presidência do grupo foi previsivelmente atribuida a Paulo de Azevedo.
É provável que ele fosse o melhor homem para o lugar, no mesmíssmo sentido em que é provável que - digo isto sem qualquer ironia - a escolha de Armando Vara para o BCP não tenha tido nada a ver com a sua relação de amizade com José Sócrates.
Perdoar-se-nos-á porém a nós, simples mortais, que fiquemos com algumas dúvidas. É que a experiência mostra-nos que, ao menos em Portugal, grandes empresas cotadas na Bolsa que supostamente deveriam dispor de uma gestão profissionalizada em extremo continuam na prática a ser governadas como coutadas familiares.
A descendência de Picasso não singrou na pintura, nem a de Einstein na ciência. Assim de repente, nas artes, a única dinastia de sucesso que me ocorre é a da família Bach. Na gestão empresarial, porém, parece haver um gene que se propaga de pais para filhos.
Belmiro de Azevedo irritou-se com a hipótese de a União Europeia poder vir a interferir na fixação dos salários dos administradores das empresas, declarando que "os políticos não mandam nos empresários". É certo que os políticos não devem dar ordens aos empresários; mas fazem as leis que a todos obrigam, empresários incluídos.
Logo, a questão, é esta: deve o poder político imiscuir-se neste tema das remunerações? Belmiro, Mexia, Ulrich e outros declararam a sua oposição, argumentando que os salários dos gestores são fixados pelo mercado. Não é exacto, a menos que aceitemos que o mercado são eles.
Ora eles não são os donos das empresas. As empresas são dos accionistas, e eles dispõem usualmente de participações minoritárias em empresas de que pretendem dispor como coisas suas.
A agitação por que passou o BCP revelou até que ponto são quotidianamente espezinhados os direitos dos accionistas em proveito de pequenos grupos de familiares e amigos que na prática detêm todo o poder. Ora é aqui - e não na eventual fixação de salários máximos - que os governos europeus deveriam intervir, defendendos os direitos dos accionistas contra os abusos de minorias entrincheiradas nos postos de comando.
Talvez seja oportuno recordar que Adam Smith levava a sua embirração pelas sociedades anónimas ao ponto de defender a sua interdição, precisamente porque no modo como eram governadas ele não vislumbrava a mão invisível do mercado mas a manipulação de muitos por muito poucos."
Escreveu João Pinto e Castro em Blogexisto
Aos Belmiros deste mundo só lhes falta dizer "Le marché c'est moi!"
1 comentário:
Cá para mim, nem sentem necessidade de o fazer, que "Já está no papo!" e , pelos vistos está bem seguro, nem é preciso disfarçar - mas é ultrajante.Ou a culpa não será também dos sistemas fiscais que não taxam correctamente esses excessos?É que em Portugal nem há a tradição de se distribuir, por simples espírito de justiça social, o que a sorte,engenho ou muito estudo proporcionou a alguns.
Enviar um comentário