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quinta-feira, outubro 05, 2006

A minha primeira barba

Retrospectiva de postagens no âmbito do 1º aniversário do Blogue. Postagem publicada em 5/10/2006
Esta série de referências ao passado, com evocações que nos tocam a todos, fez-me também regressar ao fim dos anos 50, princípio dos anos 60.
A minha chegada a Bragança, doze anos feitos meses antes, não passou pela estação.
Livrei-me de "cachaços" (na realidade apesar de ir para o 3º ano era caloiro em Bragança) pois levaram-me de automóvel.
Aterrei para lá do Fervença, no Colégio, que iria ser a minha casa por 5 anos, se me portasse bem.
A expectativa era grande, no dia seguinte ia ao Liceu saber em que turma tinha sido colocado, qual era o horário e quem eram os colegas.
Será que conhecia alguém?
As primeiras aulas, o "Chico" Faria a bater com o ponteiro no estrado e a dizer "um curso não dá educação"!
Na turma, ao meu lado, o Carlinhos "Butagaz" e o Fernando "Seminário".
A compra dos livros, no Mário Péricles ou na Maria Preta era sempre uma emoção nova.
Na verdade, na papelaria poderíamos ficar muito perto de meninas lindas, a cheirar a alfazema.
Passear na Rua Direita e, suprema felicidade, saber onde ficava o Lar!
Meu Deus, nunca tinha visto tanta menina por metro quadrado!
Kilometros, dezenas ou centenas deles, palmilhamos eu, o Carlinhos e o Seminário, naquela Rua Direita, rua das nossas ilusões, rua dos nossos amores.
Da esquina da Sé à porta do Lar, sensivelmente, que mais para baixo era Marrocos.
A esquina da Sé por onde tinham de passar TODAS as meninas era o ponto favorito, ou "majestáticamente" junto ao Cruzeiro vendo-as passar ao longe mas sempre bem perto.
Na esquina da Sé era mais intensa a presença: podíamos cruzar olhares que tudo queriam dizer e que por vezes nada retribuíam.
E quando havia um feriado, abençoada falta do professor, ‘bora para o Toural jogar uma futebolada". Quatro ou cinco de cada lado, até ao último minuto.
Mais tarde, no sexto e sétimo anos, já “grandes”, íamos para o Trinta.
Isaías na baliza, eu na defesa, Seminário à frente, era uma limpeza, “não há pai!”.
Até o Quintas jogava, pasta cuidadosamente pousada junto a uma das balizas.
E as meninas na aula seguinte, “quem ganhou?”, “fomos nós”, diziam, upantes os vencedores.
“P’rá próxima”, ripostavam os vencidos.
As meninas, deliciadas, sorriam, vendo os franganotes eriçarem a crista por sua causa.

A minha primeira barba (grande ritual de passagem!), a minha primeira barba foi em Bragança.
Aos Sábados, depois do almoço, toca a arranjar para ir passear para a cidade.
Uns pelitos a despontar e foi necessário comprar um pincel, sabão em pó (vinha numa caixa amarela de que já não sei o nome, só mais tarde veio o La Toja, jabom de afeitar), um porta lâminas e as ditas propriamente ditas.
"Nacet" era o seu nome, cortavam pelos dois lados e podiam-se afiar.
E lá estava eu a manusear o pincel emprestado, esfregando que nem um tolo, para cortar três ou quatro pêlos, não seriam mais.
Ao fim de meia hora de esforço desajeitado, com meia dúzia de golpes na cara (era homem, já fazia a barba!), esfregava-me com um creme (lamento, mas não me recordo do nome) que “ardia como o caraças” e tinha comprado na Farmácia Machado.
Só mais tarde viria o "Aqua Velva" e depois o "Old Spice" para o nosso baile de finalistas.
Fazer a barba era sempre um drama, golpes e mais golpes, pedra estanca-sangue, creme para amaciar.
Até que um dia o meu avô na sua imensa sabedoria disse-me: usa sempre água quente, ensaboa bem e verás que a barba se faz em cinco minutos, três a ensaboar e dois a cortar.
Fiquei a saber que uma boa barba implicava água quente, um bom pincel e, acima de tudo, uma boa ensaboadela.
Depois, cortar os pelos era uma limpeza e, ala para o Cruzeiro e Rua Direita com os amigos, a falar de futebol, a ver as meninas.
As lâminas Nacet foram destronadas pelas BIC descartáveis, pela Shick e pela Gilette.
O pincel foi para um canto com a nova espuma enlatada ou gelificada.
As lâminas deixaram de cortar dos dois lados, apareceram lâminas duplas, depois triplas e, por último, até quádruplas.
Seduzido pelo "marquetingue" comprei, na semana passada, umas lâminas quádruplas de titanium!
De titanium, vejam só!
Resultado: vários golpes, sangue a escorrer, barba mal feita e não sei quantos palavrões.
Foi directa para o caixote do lixo, secção própria, que cá em casa é tudo ecológico.
Que saudades eu tenho da Nacet e do pincel!
Ou será que tenho saudades dos treze anos?
Será que tenho saudades da Bragança da minha adolescência, da Bragança dos meus amigos, da Bragança dos meus amores?
Será que tenho saudades de Bragança?
Será?