Em Março de 1993, a nossa Levinda intervinha numa sessão de homenagem a uma mulher sindicalista portuguesa. Descreve assim essa intervenção.
"Começo (...) dizendo que sou de uma aldeia onde o papel das mulheres é muito mais importante que o dos homens: elas é que fazem os negócios, vendendo os seus atoalhados, lençóis ou ouro; eles limitam-se a transportar a mala...
Faço referência à personalidade forte que foi a minha mãe, que sempre nos incutiu a ideia de que deviamos ser independentes, para não precisarmos de homem nenhum. Disse que muitas mulheres, companheiras de emprego que chefiei, me perguntavam porque é que eu trabalhava. Se tivessem as possibilidades que eu tinha, preferiam ficar em casa a tratar do marido e dos filhos, o que poderia parecer uma blasfémia naquele debate feito por mulheres que faziam a história daquelas que lutaram pelo direito ao voto, à liberdade, à igualdade de direito de acesso ao poder.
E pedia ajuda: será que à força de tanto querermos valorizar-nos culturalmente, profissionalmente, em busca de poder partilhar as tarefas caseiras, não estaremos a descuidar-nos em termos familiares: Será que os nossos filhos e idosos não estarão a pagar por isso - v. o problema da droga e o abandono dos velhos, sujeitos por vezes a maus tratos nos lares onde são colocados, e esquecidos como se de coisas se tratasse?
Apetecia-me falar de mim, dizer-lhes que também quis ser livre, independente. A minha vida era muito virada para os outros: Sindicatos, Partido, emprego. O marido sempre me estimulava para concorrer, para subir, para participar. Hoje tenho dúvidas se era o que eu queria e se fiz bem, pois "perdi" muito tempo da companhia dos meus filhos e marido, e hoje interrogo-me...Liberdade, independência material e valorização cultural, consegui, mas independência emotiva não. Por isso que às vezes estes discursos me soam a pouco realistas, muito "paroles, paroles" como diz a canção.
A Maria Antónia Palla considerou a minha intervenção como uma novidade e que, se fosse há dois ou três anos, seria mal recebida. Hoje não é: as interrogações e perplexidades que eu sinto são as que muitas mulheres sentem..."
Ouvi "como ela respira"! Dizei-me se não tenha razão para desconfiar que a emancipação das mulheres terá sido umas das maiores burlas do século XX...
7 comentários:
Bartolomeu diz:
Podes ter razão Teresa.
Tudo depende do conceito de "emancipação da mulher".
Burla não me parece.
Aguardaremos a opinião dos nossos
comentadores.
Aquele abraço BV.
E vai continuar no 21 ....
Não Teresa.Não concordo contigo.Tudo o que se alcança é fruto de muito sacrifício.
As "conquistas" que hoje disfrutamos foram feitas de muita dedicação, muito risco, muito... muito.
Repara na liberdade. Quanto custou?
Não há bolsa de valores que a aceite.
Sei do que falo, pois eu senti na pele, um pouco do que aqui digo.
Mas isso é outra história.Pessoal.
Adoro-vos a todos.
Jorge
Queridos amigos,
Está bem...admito que exagerei no título. Devia ter posto um ponto de interrogação. E o meu intuito não era arrasar a outra metade do mundo com as culpas pelo que as mulheres ainda suportam nas nossas sociedades ditas desenvolvidas. Quero que fique claro: a responsabilidade também é nossa (das mulheres, bem entendido...): não só alancamos com o trabalho doméstico, cuidamos e educamos os mais novos, tratamos dos mais velhos, temos uma profissão, um trabalho "outdoor", como ainda por cima nos sentimos culpadas por males do mundo que achamos serem resultado da nossa "ausência" de casa!!! Refiro-me à toxicodependência e ao abandono dos velhos que a Levinda expressamente refere no texto.
É dose, não achais?, fazer tudo pelos que amamos, desde trabalho braçal a tarefas qualificadas 16 horas por dia, e ainda nos sentirmos culpadas pelo "abandono" do lar!!!
Por isso falei em "burla". Venderam-nos, e nós comprámos, gato por lebre, e a igualdade de direitos está longe de ser plenamente usufruída por nós. (Por essas e por outras é que eu concordo com as quotas, mas essa conversa também dá pano para mangas!)
Claro que "as conquistas" se conquistam a duras penas, Jorge, mas não achas que as mulheres lutaram e sofreram já o suficiente? E nem sequer me referi àquele vasto mundo onde as mulheres são literalmente animais de carga, máquinas de parir, apedrejadas por adultério, mutiladas, queimadas, mortas em nome da "honra" dos homens da família.
Respeito e estou profundamente grata àqueles (homens e mulheres) que entre nós lutaram pela Liberdade. Ainda hoje não consigo ouvir a "chulinha" do Zé Mário Branco (eu vim de longe/ de muito longe/ o que eu andei para aqui chegar!) sem que as lágrimas me corram...
Mas, meu queridos, havemos de convir que a caminhada das mulheres tem sido bem mais dura e longa.
Um abraço amigo para vós da
Teresa
Meus caros,
Com ou sem ponto de interrogação, a mensagem é a mesma e nada do que se conquista, conquistando-o, vem sem um preço , muitas vezes exagerado ,nem sempre evidente ,mas que o tempo acabará por trazer à tona do entendimento.A cami
nhada das mulheres vai continuar a ser longa e poderá até tornar-se mais dura,na sequência dos ganhos já conseguidos e por poderem começar a ser vistas como concorrentes em igualdade de circunstâncias.
Mas há ainda tanto terreno a desbra-
var,tanto por homens como mulheres, tanto caminho a fazer neste mundo de tanta miséria,polvilhado aqui e ali de
oásis,às vezes enganadores, que vos
proponho esta sequência de três quadras de dois poemas de Camilo Pessanha, de Caminho, nas páginas 107 e 108 de "Clepsidra", edição Livros de Bolso Europa-América: CAMINHO
Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê,nem eu o sei.
-Bom dia,companheiro-te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.
É longe,é muito longe,há muito espinho!
Paraste a repousar,eu descansei...
Na venda em que poisaste,onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.
.........................................
(II)
Fez-nos bem,muito bem,esta demora:
Enrijou acoragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol:vamos embora.
.........................................
(III)
Um abraço.Vosso,M.Carvalho
Não concordo que a emancipação das mulheres tenha sido uma burla do século XX, pelo contrário as mulheres têm vindo a conquistar, progressivamente,terreno e, apesar da sua importantíssima tarefa de mães, aí as vemos nas mais diversas áreas lado a lado com os homens. Só é preciso fazer uma breve comparação com o que foi a vida das nossas avós e até da nossas mães para concluirmos como a emancipação é uma realidade. Como nesta matéria tenho uma opinião moderada, penso que é possível haver um equilíbrio ... mas sem quotas impostas por decreto, a bitola deverá ser sempre o mérito e a competência.
Lena Pires
Eu volto a este tema, porque me parece que a questão central não é exclusiva da
condição feminina,antes da semi-escravidão a que certo tipo de funções e ,de uma maneira geral,todas as profissões de horário livre ,submetem as pessoas,sejam homens ou mulheres.
Antes de as mulheres trabalharem fora de casa, já os homens sentiam essas dificuldades mas ficavam escondidas sob a capa da masculinidade, além de que os homens não tinham que responder pela lide de casa, que continua,na nova situação,a sobrar pa-
ra as mulheres.
Concordam? Vosso,M.C.
Enviar um comentário