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segunda-feira, novembro 27, 2006

Novembro, Outono

Dias como este, cinzentos, melancólicos, fazem-me regressar ao tempo em que observava, da janela do meu quarto, na casa da rua de Trás, a chuva que caía; ou então me sentava à braseira a fingir que estudava, com um romance escondido debaixo dum compêndio qualquer. (Como imaginais, com os pais que tinha, tornei-me mestra na resistência passiva...)
Novembro...não gostava de Novembro. Preferia Dezembro, os dias frios mas azuis e dourados, o dia 1º, o fim do período, as férias, a esperança do Natal. Hoje, o Natal cansa-me e irrita-me, pelo que traz de fúria consumista, de faz-de-conta- que-nos-amamos-uns-aos-outros...Mas isso é outra conversa.
Agora, Novembro ainda não acabou, e eu quero seguir o exemplo da Blá, que com tanta sensibilidade evocou os nossos mortos (um beijo grande para ti, Blá!). Não encontrei nada melhor para o fazer do que transcrever aqui para vós, em homenagem a eles, um trecho do Volume II das Memórias de Raul Brandão. "O Silêncio e o Lume" , Dezembro de 1924 - "Querida: estamos sozinhos à mesa nesta noite infinita em que a chuva cai lá fora com um ruído monótono de choro. Estamos sós nesta noite de saudade e nunca foi maior a nossa companhia, porque cada vez me sinto mais perto dos mortos. Rodeiam-nos, chegam-se para mim e sentam-se ao nosso lume. São legião... Mais perto, que eu faço uma labareda que nos aqueça a todos! A velha mesa da consoada foi-se despovoando com o tempo, mas hoje estão aqui todas as figuras que conheço desde que me conheço...Tu, toda branca, e que mesmo através do túmulo me transmites sonho; tu, mais longe, mais apagada e sumida; e tu, que vens de volta, e encostas os teus cabelos brancos aos meus cabelos brancos, para me dizeres baixinho - Menino! - Pois ainda me chamas menino?! - Outro acolá, sorri e outro tenta falar...Dois vivos e tantos mortos sentados à roda desta mesa que veio de meu pai, foi de meu avô e pertenceu já a outras gerações desconhecidas, mas que estão aqui comigo, escutando e sorrindo, enquanto as pinhas se transformam em flores maravilhosas e as vides que plantei se reduzem a cinza. (...) Dá-me as tuas mãos, querida, e deixa arder o lume, enquanto eu falo baixinho diante da legião que nos escuta, acompanhado pelo ruído de lágrimas que se ouve lá fora."
Lindo, não é? Aqui a morte não é tabu e os mortos não são espectros: Morte é Vida que se aproxima mansamente do fim, e os mortos são memórias ternas que nos aquecem nas noites de invernia.

4 comentários:

H.B. disse...

Acompanho-te e acompanho-os ..

Anónimo disse...

Crendo na bondade das tuas palavras e
nos sentimentos que as inspiram , pois
todos fomos submetidos à mesma formatação
inicial de aceitação da inevitabilidade
da morte, aproveito ter acabado de ler o último livro de Philip Roth,que
se chama "Everyman " e que trata precisamente deste tema, para de lá respigar umas frases que ao longo da leitura mais chamaram a minha atenção:
"...old age isn't a battle;old age is a massacre"; "...life's most disturbing intensity is death.";
"... death is so unjust... once one has
tasted life, life does not even seem natural." Esta última diz em tão poucas palavras o essencial das contra-
dições da existência, não acham?
(Não traduzo,que a linguagem é simples)
Os antigos já diziam "Carpe diem"!m.c.

Anónimo disse...

Excelente o artigo e os dois comentários.
Muito bem.
Olha Manuel para a próxima vez
faz lá o favor de traduzir.
É fácil ,mas eu não levo a mal
EM FRENTE
Um abraço " OLD"

Anónimo disse...

Atenção,p.f.! Correcção à última transcrição anterior: na pág.169, lê-se:
"...once one has tasted life, death does not even seem natural. ...".As minhas desculpas pelo erro de teclagem.M.C.