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quarta-feira, novembro 05, 2008

Ainda a América!

Um texto heterodoxo, mas nacos muito bonitos, que respiguei no rescaldo da eleição americana:

Esperança

Dizem que numa aldeia da Normandia, antes do desembarque do dia D, havia uma prostituta que se passeava nas ruas desertas e batia às portas dizendo: “Eles vêm aí”. Não dizia mais nada, esta prostituta que certamente devia ter comido um bocadinho melhor quando foi com um oficial alemão, e que era desprezada por todos. Esta prostituta que, certamente, sem saber se sobreviveria aos bombardeamentos, e se sobrevisse, se aguentaria a purga da Resistência, ainda devia poder desfiar o rol de algumas recordações bonitas e sonhos (uma prostituta também tem sonhos) de infância.

E eles vieram. Os primeiros eram moços de 16 anos e tiveram 80% de baixas. Tiveram depois homenagens mas não estavam lá. Cá dentro, na Europa, todos os esperavam, até alguns soldados alemães, bons e valentes combatentes, fartos de Guerra, de Pátria, de Honra. Todos os esperavam e não os esperavam como os russos, porque aí, ia haver vingança. Na América havia um bocado de tudo, desconjuntado, mal posto, no fundo não havia nada de ser muito levado a sério. Havia Esperança.

Digo para mim mesmo, quando vejo essa velha que criou o neto negro filho de um amor passageiro, e que morreu antes deste dia D: eles vêm aí. Terá ela ouvido? Acredito que aquele mulato que chorou por ela em frente às câmaras, na sua fragilidade de rafeiro, de político e de órfão, lá avançou entre as palavras e pensou que “alguém gostou de mim, alguém achou que eu merecia existir”. E nesta secreta esperança de que algo vai mudar, de que há um lugar para mim e para ti na mão de Deus, recupero forças que já não pensava ter. Será verdade? Seremos capazes de aguentar? Talvez tenha valido a pena um país sem direito a existir, sem identidade verdadeira, sem pureza, sem certeza, um bónus de Espaço e História para um género humano tão incompetente, um país que repete os erros, talvez valha a pena.Só para que um espantalho humano numa aldeia deserta ao vento, esbraceje e diga ao céu: “Eles vêm aí”.

E, por eles, eu não irei para lá. Ficarei aqui, na rudeza, em nome dessa Esperança.

André

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