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domingo, março 07, 2010

Porque hoje é domingo!

XIII


Já não se vê o trigo,

a vagarosa ondulação dos montes.

Não se pode dizer que fossem contigo,

tu só levaste esse modo

infantil de saltar o muro,

de levar à boca

um punhado de cerejas pretas,

de esconder o sorriso no bolso,

certa maneira de assobiar às rolas

ou então pedir um copo de água,

e dormir em novelo,

como só os gatos dormem.

Tudo isso eras tu, sujo de amoras.

Eugénio de Andrade,

Branco no branco


1. Introdução: Este poema começa por uma observação bem concreta: já não se vê o trigo, seguida de um aposto: a vagarosa ondulação dos montes.

Na realidade, perante uma seara, que é que nós vemos? A seara em si mesma, ou a ondulação sob a qual ela se nos revela?

2. O nó da narrativa: E porque é que se não vê já essa vagarosa ondulação? Será que terá partido contigo?

3. O desenvolvimento, ou a solução do nó: O poema reconstitui, então, os traços marcantes do ausente: contigo partiu esse modo infantil, ondeante, de saltar o muro – contigo desapareceu o modo de levar à boca um punhado de cerejas e, também, com a tua ausência, se esvaiu aquela tua imagem de gato dormindo em novelo...

4. A conclusão: O verso final – tudo isso eras tu, sujo de amoras - retoma todo o desenvolvimento, enriquecendo-o com um traço sensual: sujo de amoras...

Estamos, indiscutivelmente, perante um poema amoroso, típico de Eugénio de Andrade: sugere, não descreve; faz um traço – e empurra-nos para que nos detenhamos na reconstrução e contemplação do quadro sugerido.

Para Eugénio de Andrade a Poesia consiste em sugerir e partilhar.

E, de facto, também nós pensamos que só é poeta quem for capaz de ser claro a sugerir e generoso a partilhar. O artista só o é com os outros.

VCD

1 comentário:

Rosa dos Ventos disse...

E muito sugere ele...
A imagem do gato aninhado comparado com o garoto sujo de amoras é uma delícia!

Abraço