Baptista-Bastos no DN de hoje
A Igreja anda sobressaltada com o mundo moderno. As rupturas sociais, que têm posto em causa os princípios da transitividade e, portanto, da reciprocidade, decorrem, substancialmente, da nova ordem económica. Agora, parece que a Igreja deu pela coisa. E o Papa acrescenta, aos conhecidos pecados capitais, mais alguns, entre eles o do neoliberalismo. Não tem pouca importância, a acusação. Mas as habituais evasivas e ambiguidades, no discurso vaticano, continuam a enredar-se em contradições e em meros efeitos verbais. Assim, as condenações têm poucas probabilidades de se traduzir no bem comum. É a vocação para o absurdo.A larga panóplia dos direitos humanos está seriamente avariada. Um pouco por todo o lado invoca-se a necessidade de os defender, e um pouco por todo o lado esses direitos são recusados, com extrema violência. O direito ao amor, como acto de fusão e sentimento de predilecção e de empenho, foi abalado. O casal já não reflecte esse particularismo de pertença mútua que constituiu um grau elevado de aceitação cultural. Outras formas de união foram descobertas e admitidas. Há uma nova responsabilidade crítica de cada um em relação ao outro. Mas também este comportamento está comprometido pela agressividade de um sistema económico que corrói a natureza da própria sociedade humana.Estas considerações levam-me a admitir, com simpatia, a redefinição do contrato matrimonial e a simplificação do processo de divórcio contidos no anteprojecto do Governo. A construção social também depende de decisões deste tomo. Não há nenhuma razão moral ou política para se manter o divórcio litigioso. O absurdo chega a ser abstruso: como se pode defender a manutenção de um casamento quando uma das partes o não deseja, pelas razões mais ponderosas, uma das quais, acaso, porque ama outra pessoa?O propósito governamental é prudente e até ameno. Ao fazer prevalecer um dos direitos fundamentais da pessoa, suscita a reflexão crítica que combate o nocivo relativismo cultural. A Igreja parece possuir uma interpretação sacrificial do matrimónio e exige a obrigatoriedade do sofrimento. A "culpa", como estigma religioso, é substituída pela legitimidade que a liberdade individual exige e justifica. Os bispos contrariam a redefinição do contrato conjugal porque nele antevêem a enunciação de outros contratos, ordenados em torno de vários pólos. Mas o processo é irreversível. A alteração das normas e o império do económico sobre o político estabeleceram novas relações de força. E a Igreja devia, talvez, condenar mais as causas do que se preocupar com os efeitos. Mas a Igreja está divorciada dessas minudências temporais. Entre a palavra revelada e a procurada, escolheu sempre a primeira. Tenho dito
A Igreja anda sobressaltada com o mundo moderno. As rupturas sociais, que têm posto em causa os princípios da transitividade e, portanto, da reciprocidade, decorrem, substancialmente, da nova ordem económica. Agora, parece que a Igreja deu pela coisa. E o Papa acrescenta, aos conhecidos pecados capitais, mais alguns, entre eles o do neoliberalismo. Não tem pouca importância, a acusação. Mas as habituais evasivas e ambiguidades, no discurso vaticano, continuam a enredar-se em contradições e em meros efeitos verbais. Assim, as condenações têm poucas probabilidades de se traduzir no bem comum. É a vocação para o absurdo.A larga panóplia dos direitos humanos está seriamente avariada. Um pouco por todo o lado invoca-se a necessidade de os defender, e um pouco por todo o lado esses direitos são recusados, com extrema violência. O direito ao amor, como acto de fusão e sentimento de predilecção e de empenho, foi abalado. O casal já não reflecte esse particularismo de pertença mútua que constituiu um grau elevado de aceitação cultural. Outras formas de união foram descobertas e admitidas. Há uma nova responsabilidade crítica de cada um em relação ao outro. Mas também este comportamento está comprometido pela agressividade de um sistema económico que corrói a natureza da própria sociedade humana.Estas considerações levam-me a admitir, com simpatia, a redefinição do contrato matrimonial e a simplificação do processo de divórcio contidos no anteprojecto do Governo. A construção social também depende de decisões deste tomo. Não há nenhuma razão moral ou política para se manter o divórcio litigioso. O absurdo chega a ser abstruso: como se pode defender a manutenção de um casamento quando uma das partes o não deseja, pelas razões mais ponderosas, uma das quais, acaso, porque ama outra pessoa?O propósito governamental é prudente e até ameno. Ao fazer prevalecer um dos direitos fundamentais da pessoa, suscita a reflexão crítica que combate o nocivo relativismo cultural. A Igreja parece possuir uma interpretação sacrificial do matrimónio e exige a obrigatoriedade do sofrimento. A "culpa", como estigma religioso, é substituída pela legitimidade que a liberdade individual exige e justifica. Os bispos contrariam a redefinição do contrato conjugal porque nele antevêem a enunciação de outros contratos, ordenados em torno de vários pólos. Mas o processo é irreversível. A alteração das normas e o império do económico sobre o político estabeleceram novas relações de força. E a Igreja devia, talvez, condenar mais as causas do que se preocupar com os efeitos. Mas a Igreja está divorciada dessas minudências temporais. Entre a palavra revelada e a procurada, escolheu sempre a primeira. Tenho dito
Sem comentários:
Enviar um comentário