"Um inquérito confirma uma realidade há muito percepcionada por quem teve e tem filhos a estudar, a de que a maioria dos professores são profissionais forçados, ensinando porque não têm alternativa profissional, sentindo a docência como um fardo de fatalidade de que gostariam de se libertar (por empregos alternativos que não existem ou pela única escapatória real, a da reforma). E se à maioria desta maioria de professores à força se tem de reconhecer, quando a Escola navega em velocidade e ritmo de cruzeiro, um afinco e dignidade apreciáveis no cumprimento das obrigações, normalmente mínimas, inerentes às funções que o azar social lhes impôs, a marca de contrariedade na função não pode deixar de ser a componente mais forte da sua identidade de classe e das formas como ela se exprime. É um corpo extenso e abrangente territorialmente de ressentidos sociais com uma identidade de frustração profissional, agora facilmente ligados em rede, naturalmente mais receptivos a resistirem, fazendo a catarse do conflito com a sua condição, do que mudarem, mudando a Escola, e muito menos serem avaliados pelo exercício de uma profissão imposta. Jerónimo de Sousa & Mário Nogueira entenderam este potencial de luta e resistência, virando para aí as baterias de luta enquanto a classe operária dorme o sono do conformismo. Sócrates e a sua ministra anarquista (o maior luxo de esquerda neste governo) quiseram fazer engenharia social com peças partidas e através de paranóias metodológicas. E a medalha política no conflito dos professores só pode ir para quem a merece.
A Escola Pública portuguesa sofre actualmente de uma perversão repugnante: governo, sindicatos e professores apoderaram-se dela, sequestrando-a como arena de conflitos entre governantes possuídos de loucura tecnocrática e profissionais que detestam a profissão (organizados, radicalizados e bloqueados por sindicalistas irredentistas). Com uma evidência a servir de pano de fundo: uma classe desmotivada de raiz nunca aceitará, a menos que seja uma fatalidade imposta e a somar às restantes, que se diferencie, seja pela avaliação ou pelo Estatuto, o que é homogéneo na identidade de repulsa pela profissão. A Escola Pública só se recentrará na sua condição de serviço público, trave mestra do Estado Social, quando a sua ideia remeter para o seu objecto único: ensinar alunos, ensinando bem.
Todas as energias consumidas inutilmente em tentarem hierarquizar uma massa de assalariados frustrados na profissão, deviam ser investidas na exigência pedagógica e nos meios disponíveis para ela. E o primeiro degrau da avaliação devia virar-se para o grau de excelência alcançado por cada Escola, tornando-as competitivas e diferenciando as remunerações dos profissionais (docentes e não docentes na escola e dos burocratas ministeriais regionais) de acordo com os lugares no ranking. A dinâmica competitiva gerada pela recompensa da excelência de equipa serviria não só para que os alunos fossem os primeiros beneficiários de maior qualidade de ensino (base de maior exigência no estudo) como seria susceptível de transformar a identidade docente, hoje assente na solidariedade da resistência à mudança, numa aposta em passar de uma profissão frustrante para uma actividade com prazer profissional aceitável, individual e socialmente."
Um contributo sério para entender o que se passa na Educação, em Água Lisa 6, de João Tunes
3 comentários:
Houve um tempo de completa indigência nas escolas. Uma parte da ‘classe’ safava-se como podia e fazia o papel do funcionário público previamente cansado, evitando o trabalho, aproveitando o artigo 4º, subindo com diuturnidades e antiguidades, gozando férias prolongadas, recusando avaliações e formação.
Com o tempo, a coisa mudou. A escola era vigiada e, ela própria, exigia mais atenção. Ontem, um estudo mostrava que 75 por cento dos professores escolheria outra profissão. É um bico-de-obra. Não se pode ter uma escola pública de qualidade com o actual ambiente de desconfiança.
Por um lado, tem de haver mais exigência e mais rigor; por outro lado, os professores não podem ser tratados como sentinelas de aula ou funcionários do Ministério. É esse o dilema dos dias de hoje.
In net de hoje
Sem entrar em grandes filosofias (lá estão para isso os "cientistas da educação" no mastodôntico ME), parece-me que os problemas do sector não são, na essência, muito diferentes dos do conjunto da sociedade. Se nos virarmos para a Justiça, Saúde, etc. etc. a conclusão não será muito diferente. Parece-me inquestionável que a recusa dos professores é composta por vários e complexos ingredientes. Muitos não querem pura e simplesmente ser avaliados e que essa avaliação tenha consequências (progressão, remuneração etc.). Outros, por motivos de luta política, que vêm aqui um terreno propício. Outros porque discordam sinceramente do processo. E, do lado do Governo, quais são os principais objectivos? Em primeiro lugar está, com certeza, a criação de mecanismos que lhe permitam limitar o crescimento da massa salarial. Mas há um objectivo pouco aflorado e, se calhar, pouco percebido por muitos professores, que é a intenção de controlar politica e partidariamente as escolas. Aliás, este processo já está em marcha. Entre os objectivos não declarados, obviamente, está a criação de mais pasto para a "boyada".
Não sou professor, e pergunto-me: quantos dos que peroram sobre a questão se terão dela acercado minimamente?
NG
"...controle político e partidário das escolas..."
Este tem sido o desejo dos partidos no poder. E passados quase 35 anos de regime democrático, este governo já legislou alterando a filosofia e orgânica de gestão introduzidas em 1976 , com o diploma de Cardia.O novo director e as funções que lhe são atribuídas articulam uma forma de correia de transmissão entre os vários níveis de decisão orgânica e funcional. Onde é que eu já vi isto? O barulho todo em volta da avaliação tem funcionado como um nevoeiro que encobre , distraindo da necessidade de reflexão,mas que os efeitos da criação dos titulares começou a tornar imperiosa.
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