Um deles, licenciado em Clássicas, leccionava no Liceu.
Falávamos de tudo, preocupações pessoais, dia a dia nacional e mundial e de "coisas" relacionadas com cultura (livros, cinema, etc.).
Com ele aprendi ler e a gostar de poesia!
Como?
Com as fichas que dava aos alunos!
Vejamos um exemplo:
Em Florença, com a Fiama (1986)
Era em Florença, num verão sem usura.
A cidade, que nós víamos de S.Miniato,
desfazia-se em luz.
Nos labirintos do Jardim Boboli,
tu e um melro rente à relva
cantavam um para o outro.
Não sei qual das vozes era mais pura,
se a do fio de água que subia
no canto do melro ou, mais frágil
e rente ao chão, a tua.
Eugénio de Andrade,
Os Sulcos da Sede, 2ªed.Outubro 2001, p.33
Digo-vos frequentemente que a poesia não consiste em rebuscar palavras – mas na capacidade que alguns (os poetas) têm de encontrar situações ou de criar símbolos que nos surpreendam, deliciando-nos.
(A poesia é arte, logo, criação artificial da beleza. A literatura, como a música, o teatro - e, sobretudo, a ópera - são criações artísticas: tentativas humanas, para criarmos a Beleza. Uma flor é, naturalmente, bela - não é artística).
A primeira surpresa na poesia de hoje é, parece-me, a naturalidade da expressão. Vejam que não há, aqui, uma palavra menos comum... Tudo tão natural, que até parece fácil fazer poesia, assim...
1ª Parte: A introdução: localização da acção no espaço e no tempo: estamos em Florença, num verão despreocupado (sem usura: sem quaisquer preocupações materiais). E o poeta junta uma breve nota sobre a cidade, que se desfazia em luz...
2ª Parte: O desenvolvimento: o poeta concentra, agora, a sua atenção numa pequena cena que se desenrolava ali perto: tu e um melro cantavam um para o outro... Notem a intimidade desta cena: duas personagens (uma pessoa e um melro) tão deliciadas uma com a presença da outra que comunicavam, cantando.
3ª parte: Observemos, finalmente, a conclusão, que aqui é feita por um comentário: Não sei qual das vozes era mais pura...
VCD
Gostaram? Qualquer dia publico outra ficha, já que tenho autorização do autor!
4 comentários:
Mesmo sem fichas comecei a gostar de poesia desde criança e penso que também transmiti esse gosto aos alunos com algumas fichas não tão completas...
Continua a publicá-las porque ajudam bastante os mais afastados deste género literário...
Abraço
Tenho curiosidade.E vou acompanhar com gosto.
Continua a publicar, eu continuo a ler com todo o gosto !
C.
Apesar de já gostar muito de poesia, vou ler as fichas com muito gosto. Como a RV, também procurei transmitir esse gosto aos meus alunos.
Urze dos Montes
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